Em algum momento da vida, qualquer cidadão brasileiro com miolos no cérebro
deve ter se perguntado:
"PORQUÊ sempre nessa época do ano eu deveria falar e
me vestir como um caipira pobre esfarrapado, ignorante, analfabeto e desdentado? Qual o sentido em me cobrir com roupas em farrapos com remendos, chapéu
de palha que parece um ninho de passarinhos, calçar sandálias de tabaréu, sujar
meu rosto com um falso bigode tosco ou pintinhas nas bochechas e passar
tinta preta nos dentes para parecer um banguela que nunca se escovou na
vida? Enfim: Porquê diabos todos os brasileiros educados e instruídos nas
grandes cidades são empurrados a parecer algo tão grotesco e vulgar que na verdade teriam NOJO de ser?"
A resposta talvez seja:
"Porque essas são as suas RAÍZES. Os
brasileiros vieram do interior. Principalmente os nordestinos.
Você devia se
orgulhar de suas origens."
Em primeiro lugar, quem tem raiz é árvore. Sou um ser humano,
não um vegetal. Em segundo, sou EU que determino quem devo ser. Não uma
tradição ridícula que tenta nos rebaixar a todos desde crianças a parecer
ridículos. Terceiro: depois de tantos esforços de séculos para deixar o atraso
e conquistar o progresso, ninguém deve ser obrigado a simular um retorno a um passado embaraçoso — ou um presente vergonhoso, considerando os baixíssimos
Índices de Desenvolvimento Humano das populações interioranas na região do
Nordeste brasileiro,
principalmente nos mais pobres grotões do sertão.
Quarto e mais importante: a questão em jogo aqui não são as
nossas "origens" mas sim para onde avançamos. Se o povo brasileiro se
originou em condições tão anêmicas, não há razão para permanecer assim, nem
mesmo celebrar isso com orgulho. Pelo
contrário: as precárias condições de vida da maioria dos trabalhadores
brasileiros no interior e mesmo dos retirantes nordestinos nos grandes
aglomerados urbanos, além do atraso social e econômico dessas populações, são algo para todos nós
sentirmos VERGONHA.
E por último: por uma questão de lógica, deveriam ser os
caipiras que teriam o dever de abandonar esse padrão de vida tão vexatório e
motivo de piadas. São eles que devem progredir para superar o abismo que os
separa das regiões mais desenvolvidas do país e melhorar suas condições de
vida, falando português corretamente e se instruindo para não serem mais tão
atrasados, pobres e explorados por políticos aproveitadores, autoritários e corruptos que se perpetuam no
poder com a compra de votos em currais eleitorais, a manipulação das
consciências pelo controle dos meios de comunicação de massa, criando
verdadeiros feudos eletrônicos, fraudando eleições e impondo a ignorância sobre
o povo alienado, e que enriquecem com o desvio de verbas, com a exploração
de trabalho escravo ou semi-escravo e com a abominável Indústria da
Seca.
ESSA é que deveria ser a nova tendência nacional
na época de São João e no resto do ano também. Mas em vez disso, enquanto
continuarem seguindo em sentido contrário á lógica do desenvolvimento, os
brasileiros continuarão baixando a cabeça para a tradição do atraso; e até
mesmo gerando a falsa impressão de que "o autêntico brasileiro" é o
tipo espalhafatoso do capiau vestido em andrajos, como se o subdesenvolvimento
fosse a nossa sina e nosso "verdadeiro" caráter.
É por repudiar essa farsa grotesca embutida na
caracterização artificial das pessoas nas festas juninas que eu me recuso
a participar das festas de "Arraiá" dessa maneira. Chega de colaborar
com esse horror estético. Seja você mesmo.
Ernesto
Ribeiro, 24.06.2014
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